Ricardo Gondim
O Felipe é minha querida ovelha negra.
Finalmente ganhei um neto negro e faço festa com a sua chegada. O juiz sacramentou a adoção do Felipe, dando-me a bem aventurança de ser seu avô não só de fato, mas também de direito e isso me faz muito bem.
Entendo que, com seus três anos de vida, o Felipe ainda não me compreende, mas espero que seus pais, Villy e Carolina, guardem este texto para que um dia ele o leia como minha carta de amor.
Celebro a descendência africana do Felipe. Do chão da África, Deus construiu um jardim e a partir dos seus ancestrais, as nações se formaram. Seus antiquíssimos trisavôs garantiram a preservação de nossa espécie; sem a obstinada determinação dos negros de não sucumbirem à rapinagem e desprezo colonialista, não se sabe o que seria da humanidade.
Celebro a negritude do Felipe. Infelizmente, a cor preta tem sido associada a coisas ruins. Ensinaram que os bandidos usam chapéu tinto; a ovelha que envergonha o rebanho é sempre a mourisca. Quando chegaram os pálidos missionários no Brasil, foi ensinado que o pecado tem a cor do escravo. Deve ser por isso que em português, "denegrir” é sempre usado para detratar. Tornou-se comum dizer, quando uma situação se complica, que “a coisa está ficando preta”. Também não concordo que os ambientes opressores precisem ser sempre os “sombrios”.
Os esforços para associar o preto com tudo o que não presta foi proposital. Para justificar a maldade que infligiriam sobre nações como bantus, etíopes e nagôs, os escravagistas precisaram demonizar as culturas africanas e, perversamente, jogar milênios de história na lata do lixo.
Eu, porém, amo a cor da pele do meu Felipe, tão linda quanto as pérolas e diamantes de nanquim; seus olhos me encantam como o ébano.
Tenho fortíssimas suspeitas de que o semita Jesus, foi quase tão escuro como meu Felipe. Aliás, eu sempre intuí que Deus tingiu o universo de escuridão e coloriu de piche o véu das noites para que a humanidade reconhecesse que pretume e eternidade também se combinam.
Agora sou um avô de alma negra! Sinto-me honrado por ter um descendente que esbanja melanina.
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